sábado, 29 de novembro de 2008

“Fiat-lux”

Eu gostava quando saía da minha casinha, trancava a porta e avistava a casa maior, com a luz do lampião escapulindo tímida pela porta e, às vezes, deixando nítida no chão a sombra de quem estivesse dentro. Talvez porque fosse rústico, diferente dos meus interruptores práticos, banais e eternos de São Paulo, que nunca me fizeram ter a preocupação se haveria querosene para queimar ou não essa noite.

Durante o dia, instalou-se aqui o maior fuzuê enquanto o eletricista Phillip e seu ajudante Tony colocavam para funcionar o painel de captação de energia solar e a bateria para armazená-la, além das tomadas para a turma da região vir recarregar seus celulares*. As paredes de barro de quase 40 anos, que requeriam a cada 2 ou 3 anos uma demão extra de argila, foram derrubadas há alguns meses e trocadas por tijolo e cimento, mais modernos, mais duráveis e, segundo eles, tudo tem de evoluir.

Na hora em que estreei a tomada, li na tela do meu celular “bateria carregando” e confesso que deu uma alegria, recíproca a de todos que ali estavam. Não teriam que pedir mais nada a Ruth (ver posts anteriores), pois o poder estava conosco. Até a bateria do computador eu recarreguei.

Tava achando o máximo até a noite cair e eu perceber que testemunhava um momento histórico, que essas pessoas de mais de 50 anos nunca tinham usufruído de um interruptor na vida e que as crianças (4 e 5 anos), nunca tinham jantado com luz elétrica. O lampião e o querosene se foi da vida. E era isso o que dava para mim um clima romântico, um clima de saudosismo do que eu não vivi, uma coisa exótica. Poxa, talvez isso fosse um dos aspectos que provassem para mim mesmo a cada noite que eu estava no interiorzão do Kenya, perto da fronteira com Uganda e Tanzânia. De repente, luz branca de hospital, o jantar perdeu a magia e as fotos sob a luz de lampião vão ficar pra museu. Os gatos estão assustados com suas sombras refletidas no chão, não as entendem.

Amanhã, prevejo, todo mundo da vizinhança vai chegar mais para conferir a novidade, munidos de seus carregadores de celular e de muitas perguntas e sorrisos. Não terão mais de andar até a casa da Ruth, agora possuem uma alternativa mais próxima (e por que não mais simpática?!).

Michael está contente que só, já que agora vai poder ler à noite, seu horário preferido, quando não está com calor. Jane vai poder cozinhar sem lampião e as meninas vão brincar até mais tarde.

Todos encantados com a luz que o msungo fez chegar, menos ele, que se questiona até que ponto essa gente não era feliz antes, sob as românticas e honestas luzes de querosene. Claro que o preço do querosene aumentava mês a mês, mas tinha seu valor estético, que talvez só o visitante apreciasse. A impressão que me resta é a de que a lâmpada fria nunca vai adquirir a beleza da luz do lampião, nem passando uma eternidade num salão de bronzeamento artificial.

*Instalação do equipamento de energia solar realizado graças a Jane Raper e Neil Stahl, amigos da minha mãe que vivem nos EUA e haviam doado a ela 1300U$ para aplicar numa obra de caridade a sua escolha. Por coincidência era quase a soma exata para a compra do aparato solar e ela optou por me repassar a verba, que foi revertida nesse benefício aos moradores locais. O povo daqui está muito agradecido tanto aos gringos quanto à senhora minha mãe, obrigado.

(The solar energy equipment was installed thanks to Jayne Raper and Neil Stahl, my mother's friends from New York, who provided her with US$ 1.300 to be used in some charity of her choice. By coincidence this was the value of the solar conversor and she decided that since Jayne and her studied African sleeping sickness their whole life it was well spent money in Rusinga Island. And there is no doubt about that!)

domingo, 16 de novembro de 2008

Kenyan first shots


Meus primeiros aluninhos. Nao, eu nao dou aula com o iPod, nesse dia eu tava soh monitorando provas. Alias, nao tem atividade mais chata que essa. Talvez soh monitor de museu e bilheteiro de estacao de trem. Mais alguma?
Mas a experiencia eh demais. No doubts.

Minhas irmazinhas Glorya e Tannya sob a luz do lampiao. Ca entre nos, dorei essa foto.

Diferencas?
Ou como diria Andre Abujamra ''alma nao tem cor''?

Aqui eh pior que Sampa no conceito ''choveu, fudeu''. Atolando geral.

Michael Odula, meu pai keniano. A barriga aqui eh simbolo de prosperidade. Ele ta me incentivando pra eu comer mais, pois assim supostamente os outros me respeitariam mais

Visual de tras de casa... not bad, hein!?

Primeira foto no Kenya... adoro os zoinhos esbugalhados, acho um charrrrme!

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Flexibilidade

Para voce, o que eh ser flexivel?
_ - -

O mundao brinca com a gente... e a gente brinca de volta.

Como quiseres, como quiseres, Maior.
Ponha um sorriso na cara e va'.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Primeiro post a energia solar e web via satelite

Não imaginei que fosse me encaixar tão bem no life style rural e todos se surpreendem quando descobrem que só estou aqui na ilha há uma semana (10 dias no Kenya). Dizem que já ando como eles e que parece que estou aqui há mais de mês. Lógico que com o swahili não estou tendo a mesma facilidade do que com o italiano e não espero nenhum elogio quanto à minha performance no bat idioma deles. É complicado pra caramba, mas as 7 palavrinhas mágicas já saem com desenvoltura.

Não preciso nem dizer que quando eles falam entre eles eu não capisco un cazzo, a não ser uma palavrinha. Essa palavrinha me fez pensar muito como deve se sentir um negro ou um gringo no Brasil. Quando ouço “MZUNGO” eu tenho certeza absoluta que estão falando de mim, pois significa “homem branco” e não há nenhum outro num raio de 10 km ou, no meu caso específico, não vejo nenhum há mais de 5 dias.

Isso gera um efeito psicológico interessante, mas ao mesmo tempo estranho. Como não possuo aqui facilidades da vida urbana como água encanada, banheiro, privada, chuveiro, geladeira e luz elétrica, minha vaidade que já não era proporcional à minha altura, foi de vez pro saco. Até 2 dias atrás, quando fiz a barba (depois de 22; a última vez foi em Atenas na véspera de destruir minha mão esquerda) não havia me olhado no espelho por uma semana. E sinceramente não sei que efeitos o sol tem feito na minha pele, já que o remédio anti-malária tem como um dos efeitos colaterais facilidade para queimar a pele. Bicho, só um pouquinho de UV e parece que você derramou cenoura&bronze ali...

Estou morando no simpático bairro de Kaswanga, em Rusinga Island, perto de Mbita, que é perto de Homa Bay, que é perto de Kisumu, que é longe de Nairobi, que é bem longe de São Paulo. Estou com saudade, mas estou adorando isso aqui.

Bom, sobre o lugar há muito a se falar. Primeiro, que é bonito, na beira do Lago Victoria (onde nasce o rio Nilo, no Uganda), que muda de cor, de azul pela manhã para cor de toddynho ao entardecer. Que moro numa colina há cerca de 1,5km da margem do lago, o que proporciona uma sensacional vista. Atrás da casa sobe uma montanha bem alta, cujo nome não me lembro agora, mas é bem alta, acredite em mim, e estou com vontade de subir nela, só estou esperando o momento (e o guia) certo. É um sítio encaixado entre uma porção de outros, sem nenhuma cerca entre eles. Ou seja, é um tal de bode do vizinho entrando no meu quarto quando eu vacilo e deixo e porta a aberta, burro chorando de hora em hora e vaquinhas com aparência bem saudável (devido aos belíssimos cupins no lombo) mugindo by my door. Isso porque eu só falei no do que é dos vizinhos. As nossas galinhas mereceriam um estudo antropológico abalizado conduzido pelo Prof. Edmilson Neckless, da Fundação Casper Libero. Só digo que a mais suculenta delas passa horas ocupando a melhor poltrona da sala para chocar seus ovos. E ai de quem ousar sentar ali.

As pessoas são a parte importante da coisa. A razão que me faz ficar aqui. Michael Odula é educador premiado pela ONU e o escambau. Já deu palestra, seminário, sermão no mundo inteiro. Era diretor da Tom Mboya High School, onde dei minhas primeiras aulas da vida nessa semana, e tocou o terror naquele monte de adolescentes por mais de 20 anos. Hoje faz parte do board e apita um pouco.
Jane, a esposa dele, é um amor. Inteligente, lava, cuida de duas netas que moram aqui (Tannya e Glorya, 5 e 4 anos, respectivamente), cozinha no fogão à lenha sempre para mais de cinco pessoas, limpa a casa, cozinha de novo e vai na igreja adventista todo dia às 5 da matina. Pô, só de agüentar pastor berrando, aleluias e améns a essa hora, eu já tiro meu chapéu. Mas ela é mesmo sensacional, fala inglês super bem (desconfiem dos meus critérios, por favor. Tenho certeza que a maior parte dos leitores não compreenderia uma frase sequer), é inteligentíssima, faz altas perguntas, é super interesaada pela minha cultura e cozinha muito bem. Só pra dar um gostinho, comi uma das melhores carnes da minha vida há uns 5 dias: picadinho de antílope. É, parece que o bichano tava devastando uma plantação aqui de cima da colina e a turma armou uma armadilha e capturou o animal (eufemismo para matou com um monte de golpe de lança). Bom, o prato é exceção, não regra, então parece que vou ter que me contentar com a degustação única.

As aulas, esqueci das aulas. O calendário letivo mudou esse ano e novas datas foram fixadas, no fim das contas acabei chegando no finalzinho do ano letivo e só pude dar uma semana de aula e não foi pra criançada pequena, mas para um monte de marmanjos num internato colegial há uma meia hora de caminhada daqui. Massa, todos me ouvindo com uma atenção budista, nunca tive atenção assim nem de uma namorada. Tinha liberdade total da diretoria para falar sobre o que quisesse. Ótimo, introduzi de leve (sem trocadilho) com uma rápida historia do Brasil já mostrando nossas conexões com a África e ganhando a simpatia deles. Daí pra frente foi ripa na chulipa, muitas perguntas sobre tudo. Sistema educacional e político brasileiro, desigualdade social, liberdades sobre casamentos poligâmicos e claro, como não poderia deixar de ser, o esporte de Charles Miller. E tome perguntas sobre escolinhas de futebol, apoio do governo (?!?), de onde vem o Ronaldinho e sobre os clubes locais. E como não poderia deixar de ser, fiz uma lavagem cerebral, mostrei os fatos e provei por A+B que o SPFC é o melhor clube do mundo. Converti 160, pastor! Claro que depois falei de coisas serias como AIDS, DSTs, camisola e preservação ambiental. A ordem eram assuntos para descontrair antes da semana de exames finais.
Dado o pedido de todos ao diretor para que eu não fosse embora, acho que consegui entretê-los legal.

Ah, para que você não pense que isso aqui é um fim de mundo sem luz e muito menos sem internet e que estou virando um selvagem só porque já como com as mãos em quase todas as refeições (sim, de couve a peixe, de carne a repolho, tudo com os dedos, só trazem colher quando tem arroz) eu vou te contar que tem a casa da Ruth, há uns 15 minutos de andança daqui, que é a única da área com painel de energia solar. Não preciso nem falar que tem uma fila de celulares para carregar todo dia, né? Mas vou te falar que fico mó constrangido de ir lá porque há uns 5 dias o filho dela foi atropelado por uma moto e tá mal no hospital, com suspeita de traumatismo craniano. Quanta tragédia, né? Bom, a bateria está nas ultimas, minha cama está chamando e amanhã eu tinha pensado em tentar dar uma volta na ilha (tem 40km2), mas a chuva cai macia no teto de ferro e dependendo de como tiver amanhã de manhã, posso me render aos encantos do meu cobertorzinho roubado do avião da British.

E torcer para o filho da Ruth ir melhorando e ela estar de bom humor amanhã quando eu baixar lá com o computador para carregar pela primeira vez. Alguma coisa me diz que eles nunca viram um notebook, e convenhamos que um Mac “mzungo” não é nada discreto para fazer contato de 3o grau.

(texto escrito dia 7/11/2008)

PS: Parabens pra Tali! Minha chefinha querida que me ensinou a tecnica do mata a cobra e mostra o pau. Ou seja, como ja falei demais aqui no blog, ja matei muita cobra e agora falta subir essa fotos aqui pra acabar o servico e para que tenham certeza que eu nao estou na minha casa na zona sul de sao paulo enganando a todos!

PS2: realmente escrito com energia solar, enviado por net via satelite e tem um hipopotamo aqui na minha janela.


-->Ta bom, o hipopotamo eh mentira. ;)