terça-feira, 27 de maio de 2008

Se eu reclamar, vou pro inferno

Na última garfada no jantar de hoje pensei:
- Se eu reclamar do que tenho comido na Itália vou para o inferno.

A lula parecia que tinha sido feita para aquele temperinho marinado com alecrim. Parecia que tinha feito um pacto com o aliche e com o atum. Todos juntos naquela travessa saíram do forno e fizeram uma sinfonia dos sentidos na minha boca. De coadjuvante, meu palato passou a protagonista, tamanha quantidade de comida eu mandava pra dentro.

O vinho da casa foi feito pelos donos da casa na última colheita de outubro. Tá fresco ainda, mas tem sabor e tem um orgulho pessoal dos donos. Gente como a gente, to super na paz. Casa de família sem aquela nóia clássica dos intercâmbios. Se eu quiser, peço licença e zarpo.
O segredo desse bem-estar e economia todo é o Couch Surfing. (E é por culpa dele que minha média de gastos está a 26,31 euros/dia. E isso, claro, incluindo a compra de celular de 100 euros e mais trens, cartões de turista, etc... Nunca acredite nos guias que dizem para você que custa 50 euros/dia. Brasileiro dá um jeito, sempre).

Hoje aqui na Sicilia eu vi um cara vendendo um atum no meio da rua. Ele não tinha nada mais além daquele único e robusto peixe de carne cor de maminha. E se vendesse estaria feito por essa noite, feliz. Acho que foi a dona da casa quem comprou.
Vou dormir feliz.

PS: Melhor ator coadjuvant: pão de sêmola, anotem esse nome, anotem esse nome...

Criancinha


Estrada longa pra voltar da Toscana, final de feriadão. Tudo lotado, parecia a Imigrantes ou a Castello Branco. E o pior, tinham emendado dois feriados, o de 25/4 (dia da libertação dos facistas) e o de 1o de maio (dia do trabalho). A turma pegou a semana e conectou. Detalhe, parece que todo mundo aqui tem ou motor-home ou uma moto Ducati. Então, o transito travava e você ainda tinha que ficar tomando cuidado com as motos que passavam rasgando no corredor. Motoboy aqui anda de Ducati!



Bom, dado esse tráfego colossal e o fato de que estávamos há mais de 2 horas sem ter andado 10km, resolvemos tentar um atalho. Era algo ousado, assaz insano. Uma estrada marcada como verde, sinônimo de bela, no mapa Michelin. Mãããs, tinha um porém, ela subia do nível do mar a mais de 1600m de altitude. E, claro, não era uma reta só. Moral da historia, cortamos caminho, mas levamos 4h30 para percorrer 120km. Valeu a pena, vimos neve do lado do carro e visuais belíssimos. E um outro prêmio, o melhor.


A estrada terminava em Maranello. E quem já foi moleque um dia, de acordar domingo às 07h40 para ver o Senna correr, sabe o que tem lá. Quem sabe quem foi Fangio, sabe o que tem lá. Quem sabe quem foi Alesi, o eterno guerreiro, sabe o que tem lá. Quem sabe quem foi Schumi, sabe o que tem lá.

Conclusão, domingo, 20h30, um adulto vira criança na Disneylândia de Maranello. Tudo fechado, mas vale a foto na frente da galeria, da fábrica e da super loja. Só faltou ver a pista, mas eu já estava satisfeito. Vi umas 3 delas circulando por ali, gritando alto. A cereja no bolo veio quando vi um operário deixar a linha de montagem de macacão às nove da noite. Nove da noite de domingo! Isso é que é tesão de trabalhar!


Faltavam mais 200km até Milão, mas quase não me sentia cansado. Recarreguei as baterias espirituais, me sentia novo e me lembrava dos meus domingos de manhã, dos meus 3 GP’s Brasil em Interlagos e do meu boné do Cavallino comprado em 97 na inesquecível Spa Francochamps. Criança de novo!

domingo, 18 de maio de 2008

Felipe Mortara, de Mortara



Imagine chegar num lugar onde todos os estabelecimentos tem o seu sobrenome. De cara dá uma impressão de que tudo é de algum parente seu. Tá tudo dominado, diriam alguns primos cariocas. Eu sabia há tempos que existia aqui na Itália, perto de Milão, um vilarejo chamado Mortara. Já havia tentado procurar no mapa, mas sem muito sucesso. Talvez sem muito empenho também.

Quando descíamos da Suíça para cá, pensamos onde poderíamos dormir. Daí veio a idéia de procurar Mortara e o melhor caminho para lá. Sei lá, eu imaginava um lugar com colinas, bem ao estilo Toscana. E à medida em que fomos chegando, no final de tarde fomos nos surpreendendo com a quantidade de arrozais. Era uma grande planície, meio pantanosa e que estava esperando as sementes brotarem. Poucas arvores forrando o entorno e um céu de chumbo, que nos acompanhava desde os Alpes.


Paisagem dominada por arrozais, sem nenhum broto em maio


Risotto de porcini, claro


Chegamos devagar, demos uma volta na vila. Pouco mais de 6 mil moradores e logo acabou a cidade e voltamos rumo ao centro. Foto na estação central e em vários estabelecimentos com o sobrenome da minha família. Soa estranho para os olhos.

Busca por hotel, fácil, já que só existem dois por lá. 65 euros a noite, com um chuveiro maravilhoso. Jantamos os queijos e o vinho do piquenique, assistimos ao Zorro com Antonio Banderas dublado em italiano na RAI e dormimos.

Dia seguinte um café da manhã inesperado para os padrões italianos (que incluía tudo o que estamos acostumados a comer por aí) e um maravilhoso papo com Davide, o dono do hotel-restaurante, que nos contou por uma hora todos os segredos de Mortara e que família homônima só conhecia em Milão. Acabei nem procurando na lista telefônica.


Não teve como ver essse anúncio de oficina de astronomia e não lembrar de Tio Guido

Partimos atrás da especialidade da cidade, o salame de ganso. Sim, existe isso e é maravilhoso. E o mais divertido é que o pai do Davide, Gioachinno, é o maior produtor da vila. Ele desencanou do fato de ser feriado e abriu a loja para nós. Com muita dificuldade nos comunicamos e ouvimos algumas historias. Tudo quanto é parte do ganso serve para alguma coisa e as penas viram edredom. Mais de 8 mil gansos por ano viram salame nas mãos do simpático senhor. E ele exporta para o mundo todo, pois é o único tipo de salame que os judeus e os árabes podem comer. Negócio lucrativo esse de encher lingüiça...


"Oca", "ganso", "oie", seja lá em que língua for, o salame de ganso mais comido do mundo tá aqui, trocadalhos à parte


Catedral: escura, charmosa e bem-zelada

A catedral da cidade tem um charme rústico e resistiu às guerras, desde o século 13. Muito escura, mas com uma paz incrível. Meditei um pouco. Orei pelos queridos. Assim que saímos, ao meio dia, as portas foram trancadas.



Saindo da cidade não hesitamos a parar no cemitério para ver como era. Nunca me intimidei com cemitérios. Na real, gosto e me sinto super à vontade neles. Passeei com calma, li muitas lápides e descobri que quem nasce em Mortara é Mortaresi e que não tinha ninguém com meu sobrenome por lá. Mesmo assim, é divertido chegar num cemitério onde em cada tumba está escrito seu nome, de certa forma você acha que são todos parentes, que estão ligados a você de alguma maneira.


Parecia um japonês fascinado clicando cada placa em que lia meu sobrenome, pensando na família, nas pessoas e em como curtiria visitar Mortara com outros Mortaras. Esse lance de família sempre me importou demais, quem é família sabe disso. Queria muito ficar com todos juntos, sinto saudade.

***
Sinto vontade de risotto do Luca, de pizza na casa de Bruno e Coca no domingo, de tentar puxar assunto com a Mari, de tentar bater papo com Rodrigo, de passear com o Chico, de tomar cerveja com os primos, de saber as novidades, de ouvir as historias dos tios, do "alô" de Marcella, da precisão de Valério, dos abraços do meu pai e do meu irmão, do sorriso da Anninha, do chulé do Dé, do cafuné de Bilu, das baladas com o Fer, da sinceridade do Pedroca, da voz e das mãos de Laureta, das perguntas do Tio Fabio, das dicas de tia Patrícia, das conversas sobre museus com Naninha (agora fazem muito sentido aqui na minha rotina européia de museu-igreja-igreja-museu), do Palmeiras carrasco de Cláudio, da salada da Coquinha (do macarrão nem se fala!), dos papos-aprendizados com Bru, do sorriso travado e bonito do padrinho, da altura sempre assustadora do Ric, dos conselhos sábios de Elisinha, da confiança eterna da Sof, das historias africanas do Deco, de ver o nome do meu pai na bina do celular, de ouvir o Marquito atendendo o telefone com sua voz que se agrava a cada dia, de encontrar todos no Natal.
De sempre esquecer de citar alguém, mas de me sentir realmente feliz de verdade no Natal.

Sinto orgulho de sentir pertencer a algo único, algo incrível, uma família que se cuida, se respeita,

E espero que isso dure muito e muito. E que fundemos um dia uma Mortara brasileira. E que todos se divirtam com meus devaneios. E que me contem os seus, sobre qualquer assunto, a qualquer hora, em qualquer lugar. Saibam que têm um espaço aqui.

Queridos, esse post é dedicado a vocês.

Felipe Mortara, direto de Mortara

sábado, 17 de maio de 2008

"Vídeo Acima" ou "SOB o sol da Toscana"

Conforme prometido, mais um vídeo postado. Improvisado, sem edição, claro. Não faço isso para fazer frufru, mas porque deletei meu iMovie "sem querer" numa faxina q fiz um tempo atrás...

Enquanto isso, vou passar filtro solar. Só porque me deu saudade do Pedro Bial, o maior intelecutal cafona que eu conheço. Momento nostalgia-auto-ajuda.



PS: Cuide bem dos seus joelhos, eu já tenho precisado dos meus.

Pisando fundo

A Itália me recebeu de braços abertos e até fez festa com confetti. O confetti era neve nos Alpes e os braços eram um cappucino e a trilha sonora do Poderoso Chefão ao sax estilo Kenny G como som de fundo num buraco de beira de estrada. Impressionou ver neve em maio, já era para estar tudo seco, "quente". Mas chovia e nevava. Simplesmente adorei.

No dia seguinte, com condições completamente diferentes de tempo e temperatura, fiz o video abaixo. Em algum dos outros dias seguintes, fiz o vídeo acima, "SOB o sol da Toscana".



Frio e calor. Sol e chuva. Alpes e Toscana. Azeite e vinagre. Combinação boa.
Tudo misturado, como os pensamentos e as sensações nesse momento.

E isso é uma coisa maravilhosa.

terça-feira, 6 de maio de 2008

A Suiça lava (a alma, claro) mais branco



Nessas ferias de um mês eu só relaxei de fato, desencanei mesmo dos problemas, em um só lugar. Um lugar onde as vacas são tão sagradas quanto na terra de Gandhi. Onde o dinheiro de muita gente pobre (e até do Maluf e do Ricardo Teixeira) descansa (ou se reproduz) em paz. E onde o ministério da fazenda é assumidamente uma instituição mais importante que o da saúde, sem a hipocrisia tupiniquim. Sem controle de imigração no aeroporto e por isso não é necessário retaliar outras nações. Um país que está a 40 dias de sediar um mega evento esportivo (Eurocopa) e não tem obras atrasadas, nem campanhas publicitárias super faturadas. E que possui escritórios de turismo e informações até onde ninguém vai visitar e nem perguntar nada.

O clima bom permitiu usar camiseta pela primeira vez na Europa desde o inverno, poxa, final de abril é tarde. Todos comemoravam, saiam da hibernação, quase como os bichinhos do desenho animado Os Sem-Floresta.


Fonte de paz


Merecido banho de sol primaveril, após um inverno rigoroso


Jardin des couleurs

Eu relaxei demais na Suíça. Quase como em Trancoso e região, sem a fartura de água de coco e oceano, mas isso não importa agora. Talvez ninguém tenha dito isso, mas a Suíça tem um quê de Bahia e eu vou explicar por que.


Um povo que abraça o próximo


Visual do chafariz do Lago Leman, cartão postal há mais de 1/2 século


Detalhe de uma escultura urbana, em Vevey

A primeira semelhança que me ocorreu é o ritmo. Não se trata de lentidão, mas de uma percepção diferente do tempo. Embora sejam os maiores produtores de relógio de qualidade (por “de qualidade” procuro obviamente excluir produtos chineses), com mais marcas refinadas do que habitantes, os suíços aparentemente não são devotos de seu maquinário preciso. A começar pelos faróis. Pelamordedeus algum marrozinho da CET tem que vir arrumar esse semáforos e fazer um mínimo estudo de tráfego. Não restam dúvidas: todos aqui tem tempo livre! Definitivamente o Swatch que vive no país de origem vive mais e produz mais tempo livre. Meu Swatch paulistano sempre me mostrou que eu estava atrasado.


Refletindo

Como segundo aspecto considerável da baianidade nagô helvética eu destacaria a confluência. Explico melhor: tudo que é santo baixa aqui, igualzinho ao Pelourinho. Só aqui as entidades costumam ser países e os pai-de-santo cobertos de branco, diplomatas finamente armanizados. A sede da ONU é aqui, mas parece que ela não anda nos seus mais prestigiosos dias, tanto que na tarde em que fui tentar uma visita guiada não pude entrar. O motivo? Uma conferência com o Secretário-Geral estava mobilizando muita gente no prédio, alegou o segurança. E eu pergunto: mas o dia-a-dia não deveria ser de reuniões e o fato de o chefe maior da organização estar aí não deveria ser uma coisa tão atípica, certo? Fim de papo, o terreiro tava fechado para visitantes, voltei pra casa sob uma chuvinha nada baiana.


Cena comum: montanhas de passaportes diplomáticos. "Laissez Passer" quer dizer "Deixeis Passar", quase uma pulserinha VIP para o planeta

Outro ponto sensacional dessa cultura é a relação com o próximo e a quase indiferença, contanto que traga dimdim. Numa grande escala, a Suíça pode ser comparada ao grande centro de Salvador à medida em que as pessoas (turistas ou investidores) cheguem com dinheiro e adquiram coisas supérfluas. A diferença entre a terra de Ivete e Bel Marques e a de Rousseau e Federer está apenas no produto. Lá o que fatura é acarajé e fitinha do Bonfim, aqui é relógio e dinheiro mesmo. Eles mesmo aqui se orgulham em dizer que ninguém lava dinheiro mais branco que a Suíça. Não tem pra nenhuma Ilha Jersey, Bahamas ou Cayman. Só conta anônima, só com números, quase impossível rastrear. Eita orgulho nacional!

No quesito locomoção o cidadão local tá bem servido. O ônibus caro não perturba o bolso polpudo, mas quem não é garçom nem senhora de idade, vai de carro mesmo. Na hora do rush, a coisa empaca, mas não pelo excesso de veículos e sim os faróis. Ah, outra coisa interessante é que aqui não existe moto, só scooter. Scooter é a moto daquele que nem é macho demais para ter uma Ducatti e nem bicha demais para desfilar de Mini Cooper.


Sabe aquela famosa frase de novela: "você vai pro internato na Suiça'? Voilà!

Nos parâmetros de beleza naturais de duas pernas, peitos e bunda, a Switzerland toma um créu da Barraia. Mas tudo bem, para a mulherada pode ser um belo ponto de investimento, já que os caras costumam ter porte forte e são bonitões. Claro que qualquer atarracado fica bonito com uma chave de um Audi ou Porsche na mão, mas no geral os homens chamam mais a atenção. (Amigos da faculdade, em bom português: não virei guei.)

Voltando a geografia estática, Genebra só não pode ser comparada a Salvador no quesito beira do mar. Seria muita ofensa da minha parte ousar comparar o Lac Leman com a Baía de Todos os Santos. Aí eu já estaria indo longe demais no meu paralelo.


Montreux é a capital do jazz e da paz também
Os Alpes são realmente inspiradores e charmosos. Tinha neve ainda durante todo o dia em que beiramos o lago Leman, até dormir em Caux, cidadela no alto de Montreux, a meca européia do jazz. Por sinal vi uma estátua linda de frente pro pôr do sol, devia ser de algum rock star que fez um show memorável ali. Por sinal, “Live in Montreux” é um selinho de garantia e prestigio na discografia de qualquer artista, principalmente alguns nossos, como, por exemplo, Elis e Paralamas. O sol se põe de um jeito incrível, lambendo o lago por horas e dando um tom pastel a tudo.

O porto seguro da Suíça (sem trocadalhos com a falta de mar) é a sua certeza de neutralidade e excelência. Você sabe que vai ser bem atendido no restaurante, que o quarto vai estar impecável e que o ônibus vai passar dali a 5 minutos, no horário marcado. Tudo isso faz aflorar no país uma sensação de calma e segura, de uma nação pacificadora e sem conflito (leia também como “em cima do muro”). Tudo no lugar e sem pressa de ser mexido, num ritmo que acolhe o visitante, igualzinho à Bahia.
Sorria, você está na Suíça!

PS: muito obrigado ao Fabio, mineiro de Genebra, que abriu a casa para a gente.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Sexto sentido na cidade dos céticos



Umas 15hs. Cheguei em Londres. Mas não vim para Londres, nem para a Inglaterra. Eu vim para Cambridge. E só por duas noites. Pode parecer piada, mas essa cidade, além de ser uma das universidades de maior prestigio do mundo, também é meu berço. E como me sinto bem aqui. Sei lá, magnetismo, forças para-normais, cósmicas... o fato é que algo me liga a esse cantinho do mundo.





É um belo cantinho, pequenino, mas charmoso, encantador. E não é só porque eu sou de lá não, hein? Cambridge é uma vilazinha forrada de colleges (espécies de feudos da universidade) com prédios centenários, que lembram castelos medievais. Tudo transpira sabedoria. Não que isso se transmita pelo ar ou pelo berço, vide post anterior, mas que dá vontade de aprender e pensar mais, ah isso dá. Para cima e para baixo senhorezinhos mui elegantemente vestidos, uma gravatinha com o logo de seu college levemente gasta no colarinho. Por algum motivo estranho de admiração, deseja-se que eles não morram nunca, parece que a humanidade perde um pouco de saber.



Fim de tarde ensolarado, futebol no parque e bicicletas virando esquinas. Tudo numa normalidade besta, mas com uma cara muito mais moderna do que eu tinha no meus arquivos. Fazem 12 anos que não piso aqui. O tempo muda as coisas. Infelizmente (perdoe a rima) até a mente. A memória boa tá guardada, envolta numa camada de plástico bolha, que pode até distorcer tendenciosamente. Fato é que eu só tenho flashes bons daqui no meu HD.





O dia seguinte amanheceu horrível, e fiz o seguinte registro no meu caderno de bordo.

Alguma coisa acontece no meu coração quando vejo o King’s College ou a City Market. Cambridge atiça sentidos e memórias aposentadas nos meus arquivos. Tudo se liga, tudo respira docemente lembrança. Nem mesmo os longos 12 anos (que passaram num minuto) sem vir aqui me desnortearam. O que posso dizer é que me sinto hipnotizado por reviver o lugar.
Depois de uma manhã feia, de chuva e frio, o sol saiu e deu o tom do reencontro. Subindo a rua, vi o St.John’s College e sua fachada medieval acariciados pela tímida luz vespertina. Fiquei pairando nas memórias, estupefato. Senti minha vó dando a mão e me conduzindo pelas calcadas, a olhar as vitrines. Tranqüilos, felizes. Lembranças do meu pai, que passou mais de cinco anos por aqui, cuidando do seu PhD e de minhas fraldas. Empurrando o carrinho para cima e para baixo.
Ar, alívio e conforto.





Caminhando pelos jardins do St.John’s, com a Sigh Bridge ao fundo, me senti com 7 anos, correndo por lá, imaginando princesas, arqueiros e Robin Hoods. O college para mim sempre foi um castelo, um espaço de sabedoria dos magos, dragões e bruxaria. A cada passo, minha imaginação brincava com a minha “maturidade”. Voltando aos meus sonhos me sentia à vontade, dono daquele lugar de paredes centenárias e gramados impecáveis. Nessa terra de cientistas, hipóteses e conclusões, eu prefiro brincar de sensibilidade, incerteza e intuição.
E não preciso deixar de ser criança nunca, ainda bem.