terça-feira, 6 de maio de 2008

A Suiça lava (a alma, claro) mais branco



Nessas ferias de um mês eu só relaxei de fato, desencanei mesmo dos problemas, em um só lugar. Um lugar onde as vacas são tão sagradas quanto na terra de Gandhi. Onde o dinheiro de muita gente pobre (e até do Maluf e do Ricardo Teixeira) descansa (ou se reproduz) em paz. E onde o ministério da fazenda é assumidamente uma instituição mais importante que o da saúde, sem a hipocrisia tupiniquim. Sem controle de imigração no aeroporto e por isso não é necessário retaliar outras nações. Um país que está a 40 dias de sediar um mega evento esportivo (Eurocopa) e não tem obras atrasadas, nem campanhas publicitárias super faturadas. E que possui escritórios de turismo e informações até onde ninguém vai visitar e nem perguntar nada.

O clima bom permitiu usar camiseta pela primeira vez na Europa desde o inverno, poxa, final de abril é tarde. Todos comemoravam, saiam da hibernação, quase como os bichinhos do desenho animado Os Sem-Floresta.


Fonte de paz


Merecido banho de sol primaveril, após um inverno rigoroso


Jardin des couleurs

Eu relaxei demais na Suíça. Quase como em Trancoso e região, sem a fartura de água de coco e oceano, mas isso não importa agora. Talvez ninguém tenha dito isso, mas a Suíça tem um quê de Bahia e eu vou explicar por que.


Um povo que abraça o próximo


Visual do chafariz do Lago Leman, cartão postal há mais de 1/2 século


Detalhe de uma escultura urbana, em Vevey

A primeira semelhança que me ocorreu é o ritmo. Não se trata de lentidão, mas de uma percepção diferente do tempo. Embora sejam os maiores produtores de relógio de qualidade (por “de qualidade” procuro obviamente excluir produtos chineses), com mais marcas refinadas do que habitantes, os suíços aparentemente não são devotos de seu maquinário preciso. A começar pelos faróis. Pelamordedeus algum marrozinho da CET tem que vir arrumar esse semáforos e fazer um mínimo estudo de tráfego. Não restam dúvidas: todos aqui tem tempo livre! Definitivamente o Swatch que vive no país de origem vive mais e produz mais tempo livre. Meu Swatch paulistano sempre me mostrou que eu estava atrasado.


Refletindo

Como segundo aspecto considerável da baianidade nagô helvética eu destacaria a confluência. Explico melhor: tudo que é santo baixa aqui, igualzinho ao Pelourinho. Só aqui as entidades costumam ser países e os pai-de-santo cobertos de branco, diplomatas finamente armanizados. A sede da ONU é aqui, mas parece que ela não anda nos seus mais prestigiosos dias, tanto que na tarde em que fui tentar uma visita guiada não pude entrar. O motivo? Uma conferência com o Secretário-Geral estava mobilizando muita gente no prédio, alegou o segurança. E eu pergunto: mas o dia-a-dia não deveria ser de reuniões e o fato de o chefe maior da organização estar aí não deveria ser uma coisa tão atípica, certo? Fim de papo, o terreiro tava fechado para visitantes, voltei pra casa sob uma chuvinha nada baiana.


Cena comum: montanhas de passaportes diplomáticos. "Laissez Passer" quer dizer "Deixeis Passar", quase uma pulserinha VIP para o planeta

Outro ponto sensacional dessa cultura é a relação com o próximo e a quase indiferença, contanto que traga dimdim. Numa grande escala, a Suíça pode ser comparada ao grande centro de Salvador à medida em que as pessoas (turistas ou investidores) cheguem com dinheiro e adquiram coisas supérfluas. A diferença entre a terra de Ivete e Bel Marques e a de Rousseau e Federer está apenas no produto. Lá o que fatura é acarajé e fitinha do Bonfim, aqui é relógio e dinheiro mesmo. Eles mesmo aqui se orgulham em dizer que ninguém lava dinheiro mais branco que a Suíça. Não tem pra nenhuma Ilha Jersey, Bahamas ou Cayman. Só conta anônima, só com números, quase impossível rastrear. Eita orgulho nacional!

No quesito locomoção o cidadão local tá bem servido. O ônibus caro não perturba o bolso polpudo, mas quem não é garçom nem senhora de idade, vai de carro mesmo. Na hora do rush, a coisa empaca, mas não pelo excesso de veículos e sim os faróis. Ah, outra coisa interessante é que aqui não existe moto, só scooter. Scooter é a moto daquele que nem é macho demais para ter uma Ducatti e nem bicha demais para desfilar de Mini Cooper.


Sabe aquela famosa frase de novela: "você vai pro internato na Suiça'? Voilà!

Nos parâmetros de beleza naturais de duas pernas, peitos e bunda, a Switzerland toma um créu da Barraia. Mas tudo bem, para a mulherada pode ser um belo ponto de investimento, já que os caras costumam ter porte forte e são bonitões. Claro que qualquer atarracado fica bonito com uma chave de um Audi ou Porsche na mão, mas no geral os homens chamam mais a atenção. (Amigos da faculdade, em bom português: não virei guei.)

Voltando a geografia estática, Genebra só não pode ser comparada a Salvador no quesito beira do mar. Seria muita ofensa da minha parte ousar comparar o Lac Leman com a Baía de Todos os Santos. Aí eu já estaria indo longe demais no meu paralelo.


Montreux é a capital do jazz e da paz também
Os Alpes são realmente inspiradores e charmosos. Tinha neve ainda durante todo o dia em que beiramos o lago Leman, até dormir em Caux, cidadela no alto de Montreux, a meca européia do jazz. Por sinal vi uma estátua linda de frente pro pôr do sol, devia ser de algum rock star que fez um show memorável ali. Por sinal, “Live in Montreux” é um selinho de garantia e prestigio na discografia de qualquer artista, principalmente alguns nossos, como, por exemplo, Elis e Paralamas. O sol se põe de um jeito incrível, lambendo o lago por horas e dando um tom pastel a tudo.

O porto seguro da Suíça (sem trocadalhos com a falta de mar) é a sua certeza de neutralidade e excelência. Você sabe que vai ser bem atendido no restaurante, que o quarto vai estar impecável e que o ônibus vai passar dali a 5 minutos, no horário marcado. Tudo isso faz aflorar no país uma sensação de calma e segura, de uma nação pacificadora e sem conflito (leia também como “em cima do muro”). Tudo no lugar e sem pressa de ser mexido, num ritmo que acolhe o visitante, igualzinho à Bahia.
Sorria, você está na Suíça!

PS: muito obrigado ao Fabio, mineiro de Genebra, que abriu a casa para a gente.

5 comentários:

Mortara disse...

Subrão!
Você foi há tempo, eu só cheguei hoje, depois do seu email. Comecei do fim, e viajei nas suas crônicas. Literalmente.

Aí apareceu uma foto sua no Marrocos, e eu não resisti... se você tivesse a companhia de um fox terrier de pelo duro dava pra chamar o blog de "As aventuras de Tintin"!

Um abraço muito grande!

Nando

Pa disse...

Feeee! Ta fantástico. Ok, sempre soube que vc era bom nisso, mas seus textos, embebidos em emoções de viajante, estão surpreendendo pela capacidade de prender a atenção e expectativa pelo próximo capítulo. Saudades, Paulinha Gabriel.

Michelle Rossetto disse...

Concordo com a Paulinha!!!
Dá até vontade de chorar!!!
Que lindo tudo isso!!!
Beijos
Mi

Felipe Mortara disse...

Paulinha, Mi, Nando, todos!

Valeu demais pelos elogios, pelos comentarios.
Vou falar pra vocês que to bem atrasado com as historias por aqui. Vou colocar uns videos antigos que fiz, enquanto preparo um novo texto.

Ja faz mais de 10 dias que nao entra nada, parece até que a viagem parou! Hehehe! Que nada, tudo de bom aqui na Italia, muuuuuuuuuuuita coisa pra contar ainda!

Muita energia boa!
Beijao,
Fe

Unknown disse...

Fico com vontade de ir pra Europa lendo esses relatos, mesmo porque eu já fui pra Bahia algumas vezes e não foi nada ruim XP