domingo, 18 de maio de 2008

Felipe Mortara, de Mortara



Imagine chegar num lugar onde todos os estabelecimentos tem o seu sobrenome. De cara dá uma impressão de que tudo é de algum parente seu. Tá tudo dominado, diriam alguns primos cariocas. Eu sabia há tempos que existia aqui na Itália, perto de Milão, um vilarejo chamado Mortara. Já havia tentado procurar no mapa, mas sem muito sucesso. Talvez sem muito empenho também.

Quando descíamos da Suíça para cá, pensamos onde poderíamos dormir. Daí veio a idéia de procurar Mortara e o melhor caminho para lá. Sei lá, eu imaginava um lugar com colinas, bem ao estilo Toscana. E à medida em que fomos chegando, no final de tarde fomos nos surpreendendo com a quantidade de arrozais. Era uma grande planície, meio pantanosa e que estava esperando as sementes brotarem. Poucas arvores forrando o entorno e um céu de chumbo, que nos acompanhava desde os Alpes.


Paisagem dominada por arrozais, sem nenhum broto em maio


Risotto de porcini, claro


Chegamos devagar, demos uma volta na vila. Pouco mais de 6 mil moradores e logo acabou a cidade e voltamos rumo ao centro. Foto na estação central e em vários estabelecimentos com o sobrenome da minha família. Soa estranho para os olhos.

Busca por hotel, fácil, já que só existem dois por lá. 65 euros a noite, com um chuveiro maravilhoso. Jantamos os queijos e o vinho do piquenique, assistimos ao Zorro com Antonio Banderas dublado em italiano na RAI e dormimos.

Dia seguinte um café da manhã inesperado para os padrões italianos (que incluía tudo o que estamos acostumados a comer por aí) e um maravilhoso papo com Davide, o dono do hotel-restaurante, que nos contou por uma hora todos os segredos de Mortara e que família homônima só conhecia em Milão. Acabei nem procurando na lista telefônica.


Não teve como ver essse anúncio de oficina de astronomia e não lembrar de Tio Guido

Partimos atrás da especialidade da cidade, o salame de ganso. Sim, existe isso e é maravilhoso. E o mais divertido é que o pai do Davide, Gioachinno, é o maior produtor da vila. Ele desencanou do fato de ser feriado e abriu a loja para nós. Com muita dificuldade nos comunicamos e ouvimos algumas historias. Tudo quanto é parte do ganso serve para alguma coisa e as penas viram edredom. Mais de 8 mil gansos por ano viram salame nas mãos do simpático senhor. E ele exporta para o mundo todo, pois é o único tipo de salame que os judeus e os árabes podem comer. Negócio lucrativo esse de encher lingüiça...


"Oca", "ganso", "oie", seja lá em que língua for, o salame de ganso mais comido do mundo tá aqui, trocadalhos à parte


Catedral: escura, charmosa e bem-zelada

A catedral da cidade tem um charme rústico e resistiu às guerras, desde o século 13. Muito escura, mas com uma paz incrível. Meditei um pouco. Orei pelos queridos. Assim que saímos, ao meio dia, as portas foram trancadas.



Saindo da cidade não hesitamos a parar no cemitério para ver como era. Nunca me intimidei com cemitérios. Na real, gosto e me sinto super à vontade neles. Passeei com calma, li muitas lápides e descobri que quem nasce em Mortara é Mortaresi e que não tinha ninguém com meu sobrenome por lá. Mesmo assim, é divertido chegar num cemitério onde em cada tumba está escrito seu nome, de certa forma você acha que são todos parentes, que estão ligados a você de alguma maneira.


Parecia um japonês fascinado clicando cada placa em que lia meu sobrenome, pensando na família, nas pessoas e em como curtiria visitar Mortara com outros Mortaras. Esse lance de família sempre me importou demais, quem é família sabe disso. Queria muito ficar com todos juntos, sinto saudade.

***
Sinto vontade de risotto do Luca, de pizza na casa de Bruno e Coca no domingo, de tentar puxar assunto com a Mari, de tentar bater papo com Rodrigo, de passear com o Chico, de tomar cerveja com os primos, de saber as novidades, de ouvir as historias dos tios, do "alô" de Marcella, da precisão de Valério, dos abraços do meu pai e do meu irmão, do sorriso da Anninha, do chulé do Dé, do cafuné de Bilu, das baladas com o Fer, da sinceridade do Pedroca, da voz e das mãos de Laureta, das perguntas do Tio Fabio, das dicas de tia Patrícia, das conversas sobre museus com Naninha (agora fazem muito sentido aqui na minha rotina européia de museu-igreja-igreja-museu), do Palmeiras carrasco de Cláudio, da salada da Coquinha (do macarrão nem se fala!), dos papos-aprendizados com Bru, do sorriso travado e bonito do padrinho, da altura sempre assustadora do Ric, dos conselhos sábios de Elisinha, da confiança eterna da Sof, das historias africanas do Deco, de ver o nome do meu pai na bina do celular, de ouvir o Marquito atendendo o telefone com sua voz que se agrava a cada dia, de encontrar todos no Natal.
De sempre esquecer de citar alguém, mas de me sentir realmente feliz de verdade no Natal.

Sinto orgulho de sentir pertencer a algo único, algo incrível, uma família que se cuida, se respeita,

E espero que isso dure muito e muito. E que fundemos um dia uma Mortara brasileira. E que todos se divirtam com meus devaneios. E que me contem os seus, sobre qualquer assunto, a qualquer hora, em qualquer lugar. Saibam que têm um espaço aqui.

Queridos, esse post é dedicado a vocês.

Felipe Mortara, direto de Mortara

12 comentários:

Batistic disse...

De todos os Blogs, achei este o melhor, talvez porque fale do Amor de um Grupo especial de pessoas ou talvez porque (pra nós) soe tudo tão familiar (literalmente), tantas coisas de tanto tempo às quais nos acostumamos, mas que são na realidade muito queridas.
Do padrinho com sorriso travado e bonito (com muito orgulho!), beijos e saudades,
Mauro

Unknown disse...

Querido Fe, o orgulhometro este descontrolado!! È muito lindo ver como você sente e, principalmente expressa estes belos sentimentos!! Beijos saudosos, bilu

Ana M. disse...

Olá!!
Estou enrolando já faz um tempo para deixar um beijinho pra vc aqui... Mas depois deste texto não teve como... Também estamos com saudade!!
Beijos!! Ana.
p.s.: adorei a lembrança do vó guido... fez o olho encher de lágrima e saudade dele...

Elisa disse...

Fê,
enquanto vc se embebia de Mortara eu me embebia dos Mortara. Passamos um delicioso e relaxante domingo numa fazenda de coelhos perto de SP. O lugar não era muito especial, mas só sair dessa fábrica de moer gente que é Sampa, fazer um fio terra e ouvir o silêncio, já recarrega a bateria para a semana vindoura.
Gran finalle - pizza na Braz - com Laura, Luca, Carol, Bru, Coca, Anna, Rê e Marcos. Coroação do fim de semana.
Muito querido o seu comentário sobre a família, bastante afetuoso (trade mark dos Mortara).
bjo e saudades
Elisa

Paulo Mortara disse...

Fê, tudo bem você esquecer de alguém! Eu também sou tao distraido quanto voce. Por exemplo: não apareci na pizza que a elisa citou, que era para comemorar o meu aniversario. Ahahaha
Bom ter fotos de tudo ai! Aproveita muito! Abraços
Paulo

Sara Tavares disse...

de volta pra minha terra mesmo hein hahaha
boa viagem, gandhi!
bjoss

Felipe Mortara disse...

Eita nóis, que coisa boa esse monte de comentário!

Fico muuuuuuito feliz de saber que a falta de coments eh um sinal de que os posts estao sendo lidos. "No news is good news".

Gente eh mto bom saber de voces, ver que estao todos sempre perto e comemorando até o niver do Paulinho a distancia. Saudades do sotaque dele, uai. E saudades do bom humor inabalável de Ana.

Aqui Roma ainda sem ter procurado os Ottolenghi pois o tempo anda curto e estou hospedado meio fora da cidade.

Beijos romanos, otimos e calorosos;
Fe

Anônimo disse...

Filhote, como te disse, ADOREI teu comentário de Mortara, da familia vista por 'dentro'.
Beijão,
Paps

Carlos Palmeira disse...

Felipe, continuo viajando contigo e me deliciando com o texto.

Aproveite tudo por ai, por aqui ficamos como saudades.

Bjão na Maria Lucia.

Carlos Palmeira e Ian

Ricardo Campeão disse...

Lindão,
invadi o ambiente familiar pra manifestar meu tesão por tudo o que tem tão bem contado.
O mundo brasiluca segue aqui enmalucando e escapar um pouco com os teus relatos é sempre uma maravilha.
Não pára, não pára, não pára não.

Beijo do Champs

Unknown disse...

Sensacionais comentários da cidade de Mortara...Confesso que também achava que todos seriam nossos parentes por ai XD.
Que um dia possamos experimentar os salames de Mortara(sem trocadalhos)

Agatha Ottolenghi disse...

Oi Felipe
Adorei seu Blog!!!
Abraço.