quarta-feira, 2 de julho de 2008

“Conheço alguém, que conhece um amigo do primo de uma outra mina que tem uma casa não sei aonde, mas parece que é paradisíaco lá”


Strombolicchio, antigo vulcão que virou farol. E cenário divino.

Foi bem nesse estilo que fui parar num dos lugares mais bonitos da vida. A proposta parecia tentadora: uma ilha, pequena e com uma única atração fincada bem no meio. Um vulcão, o mais ativo e estudado da Europa, há mais de 1000 anos em atividade permanente. E o melhor, uma casa, com estadia grátis e em troca alguns trabalhinhos na casa, como jardim e pintura. Eu que tava sem nada melhor pra fazer rumei a Stromboli, no Arquipélago das Ilhas Eólias.

Um ônibus da casa da Laura, aqui em Catania rumo à estação de ônibus. Um outro bumba até Messina, uma horinha de espera e um outro rumo Milasso. Outras duas horinhas de chão, porque não tem cadeira pra mochileiro. Embarque no aliscafo. Vou explicar o que era porque eu também não sabia e ficava falando como se tivesse feito um ph.d a respeito. É uma lanchona fechada, com poltrona similares a de um avião, que vai em grande velocidade sobre dois esquis que abaixam da proa do casco. Bom, veja a foto abaixo. E são mais 3 horas e ½ de aliscafo. O plano eram 5 dias ali.


Window to heaven, or...


Passa-se por outras das 7 ilhas do arquipélago, com paisagens apetitosas e nomes interessantes como Lipari, Panarea, Volcano, Alicudi, Filicudi e Salina, até aportar no pequeno cais de Stromboli. Ali, devia encontrar Elvira, a mãe de Maria Luna, amiga de Sofia, que conheci em Napoli e é sósia da minha prima Chica (foto no post de Napoli). Ela mora lá desde os anos 70, quando era riponga mucho lôca e baixou nas ilhas atrás daquela energia. Planta muita coisa, como uvas, que viram vinho no final do verão. E azeitonas, numa propriedade no meio da montanha. E até aquela plantinha maneira. Mas essas eu não vi.


Elvira, ah, Elvira...

O que eu vi de cara foi uma enxada e um rastelo, que foram meus melhores amigos já no primeiro dia. Mas eu tava tão embasbacado com a vista acima que nem vi o tempo passar e antes de tudo já dei uma faxinada num dos quartos que ela aluga, e que havia sido desocupado na véspera. Nunca tinha pensado como é nojento o trabalho de camareira, pêlos, cabelos, modes e outras pérolas pelos cantos. Um parabéns às camareiras de motel!


Esse era o visu que se tinha da casa. E se escutava o vulcão falando no final da tarde. Bem Lost, né?

E capinei, e tirei praga e o sol pegando... Parecia que ninguém mexia naquele jardim há anos de tanta coisa fora do lugar que tinha. Desce facão em vários galhos que estavam atrapalhando e o pedido cruel de talhar um tronco em pedaços. Não sei se é porque a mula paulistana aqui nunca usou um machado, mas estava duro pacas. Precisei de muuuuuuuuuuitos minutos para fazer o serviço e ganhei minha primeira bolha da viagem, na mão esquerda, que já fechou e virou um simpático calinho. E depois, dona Elvira toda ingênua disse: - se estava difícil você deveria ter me falado.

Pensei, OK, vamo nessa. Segundo dia, mais jardim, uhuuuuuuuuu. Pode não parecer, mas eu estava curtindo o trabalho e a experiência e pagando meu karma de sempre deixar minha mãe carpindo o jardim na Barra do Una para ir pegar onda. Era justo e eu estava aprendendo algo novo, isso se encaixava no propósito da viagem.

Pela primeira vez fui dar um tibum no mar que invadia meus olhos durante o trabalho. A casa ficava há uns 40m da praia. Peguei minha toalha, que é fundamental aqui, pois a praia é de pedra preta, que fervilha. Cheguei, afastei umas pedras e fiz uma caminha. Torrei um pouco, foi demais. Chegou a hora das braçadas e... qual não é a minha supresa ao notar uma medusa nadando do meu lado. E depois outra, e mais e mais. No fim, contei 12 em volta. Depois de muuuuuuuuito cag#*!#* afundei nas doces águas do Mediterrâneo. E me acalmei.
Fiquei aliviado no segundo mergulho, quando vi que uma corrente tinha levado todas as companheiras queimantes para outro lugar e nadei um monte, sem medo de queimaduras.


Nicola folheia Kundera, tem um quê de o velho e o mar essa foto, não?

Depois rolou um jantar, com amigos dela, incluindo Eugenio, Camila e Sabina e o calado Nicola, que protagonizou a foto acima sem saber. Comemos uma bela massa de batata ensopada com fundo de parmesão picado. Coisa saborosa demais. Elvira é uma gênia na cozinha porque diz que os alimentos são sagrados, então parece que trata eles de um modo a dar mais sabor. Ainda rolou uma meia hora no (futuro famigerado) terraço escutando explosões do vulcão e vendo manchas vermelhas se perderem nas nuvens. Eu ainda não tinha nem sondado guias para subir lá em cima e ver a lava, o que era meu objetivo maior da ida a Stromboli.

No dia seguinte, a bela idéia: estão chegando uns hóspedes às 16hs, que tal “pitarmos” o chão do terraço, sugeriu Camila. Na hora já pensei: quem será que vou pintar? Eram 10hs, o sol já rasgava o branco das casas Strombolianas enquanto eu ainda tava misturando tinta, fixador e água. Eu na lata achei uma idéia de jerico, mas pimenta no dos outros... Quando me dei conta da cor do chão e do tamanho do pincel e minha pele de Sundown 30 sentiu a beijoca do sol, mamma mia! Peguei a vassoura e comecei a varrer a sujeira, principalmente cinzas que o vulcão expele (nas plantas fica mais latente). Iniciei minha filial eólia dos filhos de Gandhi, a começar pela minha bermuda, camuflada de urso polar.


O terraço da discórdia, antes da pintura no chão. Não deu para fazer o depois

Depois de três horas, lá pra uma e tralalá da tarde terminei. A véia nem subiu pra ver. Eu tava trilili de fome, comi um boi. Na verdade era alguma massa com um ragú soberbo. Precisava descansar, peguei o computador pra escrever na mesa da varanda. Como chegaria o pessoal que paga para ficar lá, ela me pediu para não usar meu banheiro e usar um que era o dela, mas eu nem sabia onde ficava. E foi uma moça fazer faxina. Desnecessário dizer que quando bateu a vontade, eu, sonado e destraído, abri a porta proibida. Entrei, fiz e usei o baldinho, como sempre. Eis que nos instantes finais ouço Elvira a berrar, me amaldiçoando. Eu saí e só faltou me meter a mão. A caduca de 63 anos surtou... bicho, que coisa. Me desculpei, tentei explicar, disse que faxinaria de novo pra ela, tudo... 10 minutos depois ela fechava a matraca. Tentei sair pra dar um rolê, mas ela entrava na frente e continuava.

Aí, querida, não teve jeito. Mostrei pra ela que eu sei berrar também. E que o grave ecoa mais que o agudo. E que não precisa saber italiano pra berrar. Tomou uma bela chuva de KCT e PQP. Nada direcionado a ela, como _DP ou _ACA. Isso eu me contive. Mas ela mandou um belo: tu sei un viciato (mimadinho), dello papa ed la mamma. Que retornei com um: Grazie a Dio!

Pó, amicci, fala sério!? Cruzei o Atlântico, cheguei na Itália, conheci a gente-finissima Maria Luna, aportei na casa da mãe dela, vari, pintei, carpi, rocei, talhei, fui comprar cigarro, vinho barato e batata. E nas últimas 4 horas fiquei ali debaixo daquele puta sol pintando o mais rápido possível porque iam chegar os hóspedes. E por um bocejo e uma usada de privada ela ia parir um filho e me tratar como bandido? Desculpa, também sei ser sangue quente.

Daí rolou o que eu queria mesmo, o red card:
- Domani tu va via, me disse com ar de superioridade.
- Va bene, grazie.


Meditando durante o maior rolê do milênio. Já era a parte mais feia do corpo...

Dei a maior passeada do milênio para voltar o mais tarde possível e assuntei um lugar pra dormir. Achei o mais barato por 30euros. Pois é! Era um quarto dos fundos da casa do quitandeiro. No dia seguinte de manhã ele apareceu para me pegar com seu tuctuc, umas 4 horas depois do combinado, mas apareceu. De lá fui correndo para a Magma Trek, empresa que guia a turistada até a cratera, a 932m, e que me tinha sido recomendada pelos simpático casal francês aposentado, Michel e Micheline. Ele tinha 73 anos e disse que subiu quase numa boa, só chegando perto do seu limite nos metros finais.

Passeio reservado, saída às 17hs, era meio dia e eu precisava comer e preparar sanduba pra de noite. Pão, mortadela e presunto, mais cenoura e água me custaram 10euros no supermercadinho local. Comi um sanduba (aqui chama panino), fechei as janelas e capotei até às 15h30.

Chegando lá, conheci um anglo-árabe e uma marroquina, além de um simpático casal de holandeses (esse tiozão da foto, o Erich). Por alguma razão que ue ainda não entendi fui designado assistente do guia, um cara meio com cara de trombonista e homem de neandertal. Não sabia o que tinha que fazer e ele nem pediu para fazer nada. Só no final disse que eu não fiz nada. Pelo menos ganhei uma camiseta, que está me dando uma forca, pois uma a uma estou perdendo as minhas, esgarçadas pela mochila.


Erich, o holandês CB

Bom, a subida é puxada. São 3 horas de marcha. Do nível do mar até 932m. É mais alto que a Serra do Mar, pensei depois. Até 400 vai belezura, num embalo lindo. Nos 500 tem uma parada longa pra comer, você já tá suadão, recomenda-se trocar de camiseta, pois começar a fazer mais frio. Troquei, 100m mais pra frente estava empapado de novo. Os barcos vão ficando pequeninos no horizonte. Nos 700m fica a parte mais difícil, mais perigosa, por causa de pedras soltas. Éramos 28 no grupo, eu fechando sempre, ou seja, tinha que ficar esperto pra não tomar um “alô” das pedras.


Capuz e capacete, vai virar moda na próxima fashion week


Esse é Roberto, o guia. É só isso mesmo, um borrão

Chega-se enfim à beira da cratera e o que se vê? Nada! Tava uma neblina monstruosa, de deixar Londres se sentindo nenê. Não tinha nem 5 metros de visibilidade. Mandaram vestir a calça, o casaco e o capacete. Eu ainda tinha a camiseta brinde, que caiu como uma luva. Fiquei sequinho e confortável no cair da noite. Ao nosso lado haviam abrigos anti-lava que parece que custam 1 milhao de doletas cada.


Ajuda com lanternas

Noite, breu, lanternas acessas. Todos em fila indiana diante da cratera esperando a nuvem dissipar. E nada. por 50 minutos ficamos ali, estáticos. Fiz umas fotos meio malucas sem flash, que captam bem a essência daqueles minutos sombrios de espera e expectativa. Afinal, todo mundo foi lá pra ver a estrela principal e a fumaça no palco não a deixava aparecer. Minutos antes de descermos rolou uma quase abertura e logo depois uma explosão, que encheu de vermelho o cinza da nuvem. Umas massas de enxofre passavam de quando em vez. Tapava o nariz com minha camiseta suada, que parecia perfume perto do odor da montanha. E só. Tivemos que nos contentar com isso.



O vulcão mais ativo da Europa não nos deixou ver lava. Ainda não foi daquela vez. Dia seguinte mala pronta. E minhas 5 noites em Stromboli terminaram meio assim. Acho que foi praga da Elvira. Aliás, cá entre nós, Elvira é meio nome de bruxa, não é não?

3 comentários:

Unknown disse...

Putz que nhosta esse lance ai com a bruxa =/ pelo menos o lugar n era de todo mal e um vulcão tremendo é melhor do que nunca ter se quer chegado perto de um vulcão ^^

Square Beast disse...

fala Fê!!! Irado que vc tá divulgando a Junky aí na Itália, quem sabe agente ainda não faz um showzinho pra esses lados (haha).. e bem loka essa aventura na Ilha, deve dá um puta cagaço só de pisar nesse pico, ao mesmo tempo que só de sentir a presença da força natureza em seu estado bruto deve ser um tesão.

Abração e continue mandando notícias

Paulo Levi disse...

Pelo jeito, o bate-boca com a véinha jararaca não ficou nada a dever a qualquer erupção do Stromboli. Deve ter dado pra ouvir até no outro lado do Mediterrâneo.

Eu pagava pra ser uma mosquinha strombolitana só pra ver essa cena!