quinta-feira, 24 de julho de 2008

O caça-teto - parte 2


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E veio abrir a porta uma senhora elegante. Com aparência de membro da sociedade paulista de bridge. Era dona e se chamava Silvia. Na sequencia veio uma figura bizarresca, com rabo de cavalo e regata decotada. Era homem, meio ex-drag queen, no Brasil seria carnavalesssssco. Umberto di Baviera, gente fina, educado. Um buldogue francês me lambia a canela. O lugar parecia a casa da familia Adams. Fui subindo as escadas, me mostraram meu possivel quarto. 200€/mes. Banheiro ok, cozinha ok e um terraço fantastico com ducha fria. E uma vista do mar linda do meu quarto. Queria mais o que?

O nome é hoje o próprio contraste. Albergo Moderno. Sim, devia ser moderno em 1920, devia ser suntuoso em seu estilo Liberty e suuuuuper charmoso, como algumas estátuas e detalhes esculpidos na escada entregam.

Os quartos são velhíssimos e empoeirados. Tem um cheiro de mofo que pode incomodar o mais sensíveis, mas minha rinite amiga não me deixa sentir tanto. Calma, eu não moro num cortiço da Cracolândia!
É um lugar com uma energia bacana, que eu senti de cara. Não tem vibe ruim e nem fantasma. Confesso que eu até queria ouvir uns barulhos estranhos, vozes ou ver vultos pra poder contar pra todo mundo que eu morei numa casa mal-assombrada, mas a real é que só existem os ruídos normais para uma casa com a idade que tem.

Escala arriba..

Gatos na porta do quarto

Contei 56 degraus da sala até o meu quarto e talvez essa seja a pior parte. Como a cozinha fica no andar de baixo e o terraço um piso acima, meus pés estão sempre limpando o mármore branco da escada. E pra completar minha havaiana esquerda soltou a tira e o remendo se solta a cada 30 ou 40 passos. Boring. Tô esperando chegar a minha velha num pacote que a minha véia mandou há mais de mês, junto com ingredientes para fazer muqueca para Laura e Ermanno.

Nossa, mini-cucina

Estação de trem, uma das vistas da casa. Tem gente que mora no andar de cima!
E no andar de baixo tem uma passagem pra praia.
É uma viagem ver a galera entrando na estação de sunga e guarda-sol


Embaixo tem dois salões enormes e uma cozinha industrial super bacana com uma geladeira dos primórdios. Confesso que ainda não explorei todos os cantos, não só por falta de tempo, mas porque tenho um medinho sim... O lugar onde tem o tanque e o varal é assaz sinistro, pois bate pouca luz e não tem lâmpada. Se esquecer a roupa secando lá, fica fedendo a mofo.

Mas meu quarto é uma delícia. Pé direito altíssimo, deve ter uns 4,5m, cama razoável, armário suficiente, uma pia (muito útil, pra escovar os dentes sem dar um rolê à noite), 2 espelhos, um ventilador que eu montei, duas cadeiras, um tapete sujao, alguns pôsteres com pinturas de flores numa das paredes. E o melhor e o mais impagável, ou o que talvez valha cada centavo do aluguel de 200€: uma vista sensacional do Mediterrâneo.

Aham, sou organizado

Se eu falar, ninguém acredita

Nunca fui de curtir chegar de manhã em casa. Mas trabalhando de madrugada e abrindo a porta do Moderno sempre entre 5 e 6 da matina comecei a curtir o sol entrando pelas frestas e o maravilhoso amanhecer na baía. E percebi que eu sou um cara que dorme fácil, então não tem problema se é dia ou noite, basta estar cansado que Morfeu vem.

Perdoe a qualidade da foto, mas acredite que tava inesquecível

Dia desses a minha surpresa foi quando, da cozinha, vi um ponto amarelo fortisismo no céu, se levantar por de trás de uma da torrinhas da estação. Fechei a porta da geladeira e desacreditei na Lua cheia. Alguns minutos depois subi pro quarto e o que vi ali foi de tirar o fôlego (até tentei a foto abaixo, mas vocês sabem como é difícil fotografar em velocidade baixa sem tripé. Que loucura essa lua e eu não podia ficar olhando, tinha que ir trabalhar! Mas aprendi que nasce na frente do quarto. Vou anotar a próxima e me organizar para fazer umas fotos mais decentes.

Ah, não estou sozinho no Moderno, mas também não tem uma galera. No andar debaixo, na frente da cozinha está Domenico, um senhor baixinho, de uns 50 anos, cozinheiro de um restaurante em Taormina. Ele tem alguma debilidade, é um pouco lento, repete muito as coisas que fala e tem uma organização um pouco obsessiva. Mas é gente fina, acho que vai com a minha cara e sempre temos conversado e subido juntos.

O outro habitante, mais irregular é Umberto, o carnavalesco. Ele trabalha ou trabalhou com teatro a vida toda. É cenógrafo e ajeitou meu quarto em dois dias. A bicha trabalha, vai lá e resolve. O dele é bem divertido, uma coisa meio kitsch, que eu tenho certeza que faria sucesso alugando pra gringos. O cara é gay amaréééééélo, tem um penoir roxo e o buldogue francês que lambe canelas, chamado Oliver. É super gente fina e sempre trocamos altas idéias sobre amenidades. O cachorro é muito feio e eu rolo de rir brincando com ele, realmente me distrai muito. Fotos das figuras mais pra frente.

Tecnicamente eu moro em Giardini Naxos, pois Taormina é só o que está em cima da montanha, mas cá entre nós, eu prefiro estar a 300m do mar do que a vários quilômetros.

Chega mais!

Mas nenhuma parte da casa é tão querida pra mim quanto o terração enorme com ducha fria. Só tem sombra lá depois das 17h30 e sem protetor solar num dá pra encarar não. Dava pra fazer uma senhora festa, aliás você está convidado.

Para chegar? É só descer na estação de trem Taormina/Giardini e dar um berro. Vou abrir amarradão!

4 comentários:

Erika YK disse...

Fêeeeee!!!!
Confesso que não li com freqüencia, mas isso não me impede de ficar verdadeiramente emocionada e de me sentir muito perto de você! Parece que cada um de nós, leitores, e pq não um pouco fãs, nos transportamos para sua mochila. rs A descrição dos detalhes, esse olhar romântico ácido que você tem sobre as coisas me mostra pq continuo gostando muito de ouvir suas histórias! rs Se cuida, moleque!

Felipe Mortara disse...

Fofa!
Valeu, continue sempre aqui.

Beijao

Anônimo disse...

Cacete, tá morando num cenário de filme do Fellini? Fico imaginando uma mulher de meia-idade, cabelo excessivamente arrumado e seios fartos descendo essa escada com um cesto de roupas e cantando alguma música italiana que só ela e o pai dela conhecem.

Realmente, dá muita vontade de pegar um avião e ir aí te visitar.

Anônimo disse...

Filhote, delicia viajar com você queridão. Hoje chegou o postal da Tunisia, Marcos leu e nos emocionamos.... Beijão ! Paps