sexta-feira, 25 de abril de 2008

Da LewLara pro Sahara

Na véspera de embarcar na excursão me peguei rindo sozinho que nem besta ao empacotar as coisas para uma noite no deserto. Todo mundo alardeava sobre a noite congelante. Eu tava indo pro deserto com um monte de casaco, morrendo de medo de frio quando, de repente, veio na cabeça a eterna marchinha carnavalesca: Atravessando o deserto do Saara o sol estava quente e queimou a nossa cara / alá lá ô, ôôô / mas que calor ôôô.

Veja bem, vamos analisar a sabedoria popular.
“o sol estava quente” e “que calor ôôô” configuram um estado de temperatura elevadíssima, quase sufocante, certo? E eu estava indo para o referido lugar no dia seguinte com um monte de casaco. Porra, alguma coisa tava errada! Ou o povo (e o Lamartine Babo) é burro ou eu tava confundindo Alasca com Saara. Bermuda na mala. Simbora!

A van viajou o dia inteiro pelos Atlas (como contei no post abaixo) e depois pelo Draa. 11 horas depois de deixar a agência de turismo em Marrakesh eu estava cara a cara com a fera ruminante. Ou melhor, 14 feras ruminantes. Amarrados em fileiras de 5 – 5 – 4, os camelos esperavam sentados a vez de se levantar com um turista na lomba. A ordem para levar pouca coisa pôs em cheque a nossa montanha de casaco e logo fomos avisados de que haveriam cobertores à beça na tenda. Mochilinha e olhe lá.



O fato de os camelos estarem amarrados um na cauda do outro e de serem puxados por um beduíno que vai caminhando, dá a sensação de estar numa filial saariana da Disney. Mas aos poucos você saca que é aquilo mesmo e quem tem mais é que curtir. Pelo menos estava mais no Saara do que um tiozão dentro do brinquedo da Múmia, no Universal Studios de Orlando.





Visual encantador por todo o caminho. O sol se pondo e a lua nascendo na frente.




O lance da passada do camelo é sacolejar com ele, deixar o corpo bem mole. Funcionou até certo ponto. Após duas horinhas de gingado puro cheguei meio dolorido, mas depois de umas torções e uns ássanas bem feitos fiquei leve. Rolou um constrangimento ao fazer um balássana na frente de um beduíno dentro da tenda. Na aula de yoga do prof. André sempre me sentia meio muçulmano, adoro esse ássana. Talvez por ser o mais fácil e aliviante.





Sentamos todos em volta do lampião a gás na tenda. Hassan, de turbante vermelho e azul e beduíno mor do grupo, foi perguntando o nome e o país de cada um. Lógico, houve a réplica:
- Felipe, Brasil.
- Ronaldinhô!


Com uma tagine (prato único do Marrocos – só tem isso pra comer aqui – é um cozido dentro de um cone de barro) de frango com legumes fizemos a barriga e sujamos as calças, pois não havia garfos, nem pratos e nem luz. Por falar em luz, fomos aprender sobre as estrelas com os homens do deserto. Confesso que eu esperava uma noite estrelada das Arábias, mas a lua estava quase cheia, projetando as sombras nas dunas. Foi uma bela noite de lua. Temperatura amena e nada do super frio praguejado. Fiquei de camiseta até 10 da noite.



O nome “Sahara” (com tônica arrastada no rrrára) é muito forte e era repetido quase que à exaustão pelos beduínos. É intenso, vibrante, tem uma carga de aventura, coragem e desbravamento. A gente estava a 2 horas de camelo de uma vila, não era o fim do mundo. Dizer que ter estado ali era ter conhecido o Saara é que nem passar uma noite em Trancoso e dizer que conheceu o Nordeste. Mas com a força do nome e areia nos pés você vai se convencendo. Os caras sabiam vender o peixe deles, e mesmo sabendo que a gente não tava embrenhado no coração do deserto deu um gostinho de liberdade considerável.



Com os pés na areia, sentia entre os dedos os grãos mais finos que já tocaram minha pele. As solas afundavam facilmente e pé dentro da areia encontra calor. Todos se sentaram sobre uma pequena duna e enterraram os pés. Dois beduínos chegaram, um com um tamborete e outro com um galão de água vazio. Começaram a cantar. A melodia abraça as dunas e meu corpo. Fecho os olhos e sinto a luz da lua assoprando energia boa. Mesmo sem entender sequer uma palavra do que cantavam me sentia na música, em êxtase. Foi o auge da minha noite saariana.


Logo depois, os dois cansaram de tocar e começaram a passar os instrumentos pra nós, daí virou a festa da caqui. Não saía nenhum som decente até o tambor chegar na minha mão e eu sentir meu gene musical Mortara aflorar e assustar a todos. Fui imediatamente proibido de tocar, inclusive por mim.

Sem tempestades de areia (o vento assoprava uns grãos e sempre tinha que fechar olhos e boca) nem roncos alheios, a noite virou bem, mas acordei com frio. Tatiana, uma russo-americana muito gente fina, me cobriu e cochilei mais um pouco. Depois era hora das necessidades fisiológicas matinais. Uma vez, no Hawaii, o fotógrafo-estrela da Fluir, Tony Fleury, me disse:
- Todo mundo é igual de manhã na fila do banheiro.
E quatro anos depois, do Hawaii pro Saara, o ditado se aplicava. Como a única coisa que vi alinhada foram os camelos, deduzi que teria que me virar. Achei uma dunazinha livre e fiz um xixi inesquecível com o sol nascente combatendo o frio.



É engraçado como é a areia saariana. Ela some rápido entre os dedos, mas fica fácil nas roupas, é mais fina que a nossa areia, é um amontoado de pó. Você fica sujo, ainda bem que eu não tava interessado em pegar ninguém... heheh. Mas é uma sujeira estranha, pois me senti menos sujo do que durante as 48 horas que fiquei sem tomar banho entre Fes e Marrakesh.


Na volta, bom entendimento com o camelo, sem dores aparentes. Parada para higiene, inclusive bucal, numa loja de quiquilharias, digo, antiguidades. Depois visita a uma Kasbah picareta, a de Ouarzazate. Logo ali na frente tinha um museu de cinema, entramos por uns 5 reais. Um lugar bem kistch e até bobo, mas tinha registros e fotos de produções hollywoodianas filmadas por lá (entre as mais famosas, Lawrence das Arábias, Babel e Gladiador). Mas o mais legal foram os cenários, que ficavam lá mesmo. Tinha uma sala do trono do rei Salomão, um pátio da Judéia, tipo desses filmes do Cinema em Casa, do SBT.



O passeio de camelo começou a doer, tanto nas costas, como nas pernas. Não sei montar animal, sei que poderia ter caminhado uns 10 km numa buena. Mas a experiência sempre vale a pena e o mais louco é que depois de camelar por quase 3 anos na Lew’Lara, lá estava eu camelando no Saara.

(rimazinha bem barata pra terminar essa jornada)

2 comentários:

João Prado disse...

tu virou um homem do oriente!

Michelle Rossetto disse...

Fe!
Iradooooo...
To adorando acompanhar tudo isso!! Mto bom!!
Boa sorte.
Beijos