domingo, 27 de abril de 2008

Por que o Marrocos vale a pena?

A primeira resposta a essa pergunta que me vem na cabeça é: porque poucas vezes me senti tão querido num país estrangeiro. Sim, não são todos os marroquinos que te vêem como um cifrão andante. Boa parte deles, mas não todos. E foi essa fatia da população o que mais me encantou no lugar. Alguns marroquinos, sejam negociantes ou não conseguem ter uma aura de serenidade e bondade a que não estamos acostumados. Leva um tempo até parar de desconfiar e entender a toada.


Grande mistura: deserto, montanha e um fim de tarde desses. Plage des Oudayas, Rabat.


Brincando de beduína no meio da barganha. Tudo para tentar vender.




A beleza dos detalhes, das entranhas.

Na seqüência penso na tradição, permeada pela cultura árabe e tudo o que desconhecemos. Esse foi um ponto que me fez questionar até que ponto vale sermos uma nação quase 100% cristã e o quanto não deixamos de absorver conteúdo de outras fronteiras espirituais. O som do chamado ecoando em cada canto de qualquer cidade seis vezes ao dia é um primeiro passo para entender como a reza é fundamental a eles. Essa relação sempre presente com a religião e a meditação, não presente na minha realidade paulistana.


Quem vai dizer que não tem amor nesse sorriso timido?

Aconteceu de entrar numa lojinha e perceber que, por trás do pequeno balcão o dono rezava e após perguntar sobre preços, ele voltou à oração. Pelo menos uma vez ao dia todo muçulmano reza na mesquita. Para entrar lá, o ritual é bem bonito. Tira-se o sapato e lava-se os pés numa fonte, sempre charmosa e forrada por mosaicos multi-coloridos. Em seguida vão rumo a um tapete onde se ajoelham e depois se curvam. Toda a oração é feita pelo imam (o “padre”) em alto e bom som para toda a redondeza, através de megafones instalados na torre da mesquita.


O ocidente no mundo árabe, com tom próprio

O Marrocos é um poço de desconhecido em que nos sentimos um Obelix ao nos banhar. É a síntese de muita coisa que imaginamos no mundo árabe, mas também uma resposta a muitas idéias pré-concebidas que temos desde sempre. O marroquino é uma mistura de baiano com turco da 25 de março. Do baiano tem a boa vida, um pouco da preguiça, o sorriso e aquela constante cara de “no problem”. Do turco, claro, o tesão sexual pela barganha e pelos negócios. Tem muito de Brasil, mas com uma outra roupagem, uma coisa mais rústica, mais bruta no sentido de ser um pais um pouco travado por seus ideais. Pelo menos já está anos luz na frente do Brasa no quesito turismo. Não que tenha uma rede turística que funcione impecavelmente, mas todos se esforçam no inglês. Francês é segunda língua oficial, depois do árabe.


E o futebol é a terceira língua. Palestra à beira-mar em Rabat.

Junto com a tradição e os rituais, vem também a imprevisibilidade do Marrocos. Tanto o tempo (em Fes chega a chover e fazer sol num intervalo de 15 minutos), quanto às situações. Num momento você pode estar barganhando e segundos depois espiando uma reza na mesquita por uma frestinha da porta (é proibido aos não-muçulmanos entrar e assistir um culto). Ou ainda estar vendo lojas de madeireiros e, de repente entrar numa portinha e cair dentro de um cemitério maravilhoso, com vista pro mar. Estar no meio de uma arapuca pega-turistas e achar um “museu do cinema” kistch, mas divertidíssimo.


Um museu de cinema no deserto, onde mais?


Só vi algo parecido em Trancoso.

Dentro do critério das coisas imprevisíveis eu coloco também a comida. A culinária local pode ser boa para uns e não interessante para outros, tudo entra naquela velha questão do gosto não se discute. E, pode apostar, você goste ou não, os quitutes dda terra do rei Mohammed Vi são quase como balas de uma metralhadora giratória das papilas gustativas. Muitas texturas diferentes, porque o tempero (especialmente das coisas salgadas) é muito parecido em todo lugar. Com uma facilidade surpreendente de fazer massas folhadas (herança da colonização francesa), os docinhos e rolos quentes são de cair o queixo. Os assados (normalmente na tajine, espécie de prato cônico) são sempre justos e saborosos. Quanto ao suco de laranja e grape-fruit, não tenho nenhuma outra definição a não ser: os melhores que já tomei na vida.


Grape-fruit, 5 reais cada fruta no Pão de Açúcar. 70 centavos um sucão aqui. Topa?


Mistura de camelo, boi, carneiro e frango. Onde mais? Quando de novo?

O Marrocos vale a pena porque ele não te deixa esperar, ele entrega o imprevisível, o inesperado. E entrega muito bem.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito legal esse post, esta de parabens!!!