terça-feira, 10 de junho de 2008

Roma, de trás pra frente



Alguma coisa me provocou em Roma. Cheguei lá com Stallone por volta das 14hs, depois de empurrar a mala de 60kg por 5 intermináveis quarteirões até o albergue dele. Foi a nossa via crucis. E o pior é que tinha um carinha romeno que tomava conta do albergue que era meio má vontade total, nível passar na nossa frente da fila do elevador e nem relar nas malas, que ele tava vendo a nossa dificuldade. Em resumo, cheguei em Roma puto.

Achamos o Kebab de um marroquino ali vizinho, fizemos a barriga por 3 euros e uma Fanta (que aqui é boa) e pegamos o metrô rumo à estação Colosseo. Acho que é a estação de metrô mais maluca que já inventaram porque você sai da catraca e seus olhos já se confrontam com aquela imagem mítica, encravada na cabeça de bilhões de pessoas. Custa a acreditar que aquilo está ali assim, pof, na sua cara. De repente, seu olhos voltam pro chão e você vê que outras 30 mil pessoas tiveram a mesma idéia que você. Aham! Você não é um gênio, não descobriu a roda.

Na real eu não tava entendendo muita coisa, mas sabia que queria entrar no Coliseu, não teria jeito. Vi uma horda de gente passando o portão e pensei: “Oba, patrimônio cultural da humanidade, entrada grátis, afinal acho que como humano faço parte da humanidade”. Quá quá quá quá quá! Você primeiro entra, passa pelo detector de metais (que é a maior enganation do mundo) e lá na frente tem (claaaaro) a biglieteria. 11 euros pra ver um patrimônio que é meu. Tipo quase 30 reais pra visitar algo do qual faço parte? Eita nós, alô Procom! Cadê os meus direitos? Tentei dar uma enganation com carteira de estudante, Stallone coma de professor, mas se não for cidadão da Comundiade Européia, não tem desconto. Moral da historia: só os europeus fazem parte da humanidade.

Pagamos, entramos, curtimos. Mas revolta pagar 11 euros não ter nenhuma placa ou painel explicando nada. Se quisesse podia alugar por mais 7 euros um áudio-guide (aqueles telefoninhos de nerd, que você disca o numero e ele conta a historia, tipo 0900 do coelinho da páscoa, lembra?), mas já estávamos falidos. Tem uma energia, é lindo, dá para imaginar a covardia que rolava ali e faz pensar como o ser humano consegue ser sem-noção.

Uma surpresa boa foi saber que o ingressinho do Coliseu valia para visitar as ruínas do Palatino (colina onde Roma nasceu), Fórum Romano, casa de Augusto e varias outras coisas. Ali foi bom, parece um grande parque histórico, com muitas arvores e banquinhos para dar um break. É muita informação demais, muita ruína demais, muito passado demais, o pensamento dá um colapso cronológico.


Ruínas no meio da cidade, não tem em qualquer lugar


O gigante monumento a Vittorio Emanuelle I, herói desse país

Mas alguma coisa muito estranha aconteceu no segundo dia. Fomos visitar o centro “novo” e eu senti algo estranho. Uma coisa como se aquiles esquinas, as Piazze Navona, d’Espagna e o Pantheon, sempre me tivessem pertencido. Parecia que eu já tinha andado muito ali noutras encarnações, um lance meio cármico mesmo. Mas o mais maluco foi o que rolou na Fontana di Trevi , parecia que eu tinha estado ali um milhão de vezes, mil flahses na minha mente. Me senti meio dono do lugar, abri um vinho, joguei duas moedas, me senti turista e contemplei por horas. Sei lá, uma coisa meio maluca. Depois que caiu a ficha que pode ser algo do gene, já que meu nonno nasceu em Roma (e não em Milão como eu achava até pouco tempo atrás...) e daí comecei a pensar em tudo o que veio antes de mim. A historia de Roma e a trajetória da minha famiglia. Um olhar no retrovisor, de trás pra frente.


Cenário de Fellini


Velhinha cumprindo a tradição de jogar a moedinha de costa e sobre o ombro direito

Teve a parte do dormir e comer que foi uma graaaaaaaaande economia. Foi minha primeira experiência no Couch Surfing. E foi sensacional! O Denis é um cara super do bem, que trabalha como guia no Museu do Vaticano e em paralelo tem um negocio de aluguel de vans para turismo. É de uma cidadezinha do norte, mas manja tudo em Roma, honra o título de guia. Além de tudo, pega onda e mostrou onde e como os picos vizinhos bombam. Mostrou fotos que deram vontade de dar um tibum, mas o tempo não cooperou. Ele mora com outros dois caras super da paz, o Matteo e o Carlo. Mas a Déborah, namorada francesa do Denis, era quem fazia as honras da casa a maior parte do tempo. Ela estava internada lá estudando para começar a trabalhar como guia no vaticano na semana seguinte, vivia fazendo fichas e colecionando marca-textos vazios. Era uma fofa, conversamos muito em francês, um alivio pra ela falar um pouco, pois seu italiano ainda não é bom e só fala em inglês com Denis. E uma mão na roda pro meu francês desenferrujar e me fazer sentir como na França.


Dennis e Deborah, anfitriões impecáveis

Na casa também estavam dois atores de um grupo de teatro americano super famoso (eu só soube depois de dar um Google, claro), o Living Theatre. Kesh e Dave era super da paz e sempre chegavam de manhã, depois das apresentações (sold out 2 semanas antes) e das baladas que sucediam. A peça era sobre uma prisão militar americana na década de 50, onde Marines eram punidos por mau comportamento. É uma paranóia, uma gritaria só a peça, não curti muito não, mas os atores (incluindo os dois companheiros de sala) mandam muito bem. O espetáculo tenta mostrar como ficam malucos os prisioneiros, deixando o público irritado também.
Tiveram umas noites bacanas na casa do Denis, jogando dudo e tomando vinho. É difícil saber quando os atores estão blefando, os caras mandavam muito bem na enganation.


Dave e Kesh, numa manhã de ressaca

O Dave tinha um tarot que ele consultava de vez em quando. O cara é meio intimista, excelente músico (a viola era maravilhosa e rolava um som o dia inteiro) e contador de história. O tarot, herdado do fundador da cia de teatro, foi fabricado em 1960 era guardado enrolado em um pano roxo florido. No último dia ele fez uma consulta pra mim, sobre duas questões. Uma sobre meus próximos passos na viagem e outra sobre vida pessoal. As respostas foram instigantes, me fizeram pensar por vários dias.

Eu achava meu italiano péssimo, e a essa altura estava na Itália faziam umas 3 semanas. Mas o meu queixo caiu quando eu criei coragem, liguei para a Zia Marinella, prima do meu nonno Alberto, e depois na hora de desligar vi que tinha falado 21 minutos em italiano. Vixe, 21 minutos! Desacreditei! Ela elogiou muito meu italiano e fiquei super contente. Magda, esposa de Roberto, irmão de Marinella, foi um doce e agitou um jantar na casa deles pro dia seguinte, véspera da minha partida pra Napoli.


Famiglia

O jantar foi bárbaro e me virei super bem no italiano. Tinha uma compreensão de uns 70% do que era falado e perguntado. Lógico que pra falar dava uma senhora travada, mas saía e eu era entendido. Todos uns amores, Ana e Paolo, os filhos dos anfitriões, foram super carinhosos. Especialmente ela, que olhou no fundo dos meus olhos e me ofereceu tudo o que eu quisesse em Roma, como se fosse uma tia que eu conhecesse há milênios. Mais que tudo, ofereceu um teto e carinho. Marco, filho de Paolo, tem 14 anos e me pareceu uma mistura do meu irmão com meu primo Ricardo, uma criatura dócil e meio desengonçada. Já Marta, filha caçula de Ana, e também 14 anos, era uma mini Anninha Mortara, principalmente nos aspecto simpatia. Mas o que me deixou meio perplexo foi o primo Matteo, que chegou atrasado, e a cada gesto e palavra me fazia descobrir uma estranha mistura de sua personalidade. Senti ele como uma espécie de mix entre eu e o Fer, com alguma coisa do bem-fazer do Paulinho. Senti o sangue ali cara a cara.
Ah, e pela primeira vez na vida vi um golden retriever branco, o Tarik (me lembrei do TariN, da Lew), de Magda e Roberto,

Ainda rolaram mais uns passeios pelo Trastevere, o parque Villa Borghese(a Galleria Borghese estava chiusa) e pelo Vaticano.


No dia da última rodada do campeonato italiano que eu me peguei lendo palavras de trás pra frente. A Roma, time da cidade, tinha chances matemáticas de ser campeã e a cidade se encheu de bandeiras. E no balançar delas eu percebi que Roma, de trás pra frente, vira um sentimento bonito, profundo e marcante. Acho que foi isso o que eu senti pela cidade. Além da certeza de que retorno um dia.

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