segunda-feira, 2 de junho de 2008

Divagações sobre o sol da Toscana



Lugar igual não há, parecido talvez. Definitivamente imortalizada pelo livro e filme Sob o Sol da Toscana (que eu não li e nem vi), a região parece ser um imã de turistas, principalmente os próprios italianos e suíços. Primeira coisa que chamou a atenção foi a quantidade de gente, demasiada para a compacta área das cidadelas entre muros. A coisa é toda é muito estreita e cinematográfica demais para uma montanha de gente junta subindo e descendo ladeiras. Em alguns momentos, simplesmente trava tudo.

Mas se a muvuca de boné e protetor solar quebra o clima, o sol (ele mesmo!) dá um tom de alegria e energia inigualáveis. Realmente sob o sol da Toscana se pode ter iluminação e inspiração. Dá vontade de ficar sentado sob uma oliveira por horas, com o caderninho borbulhando no pulsar da caneta. O sol deixa a terra mais charmosa, realça o tom amarelado e seco, que contrasta com o verde estalante dos bosques e dos pinheiros solitários. O verde toscano é personagem essencial para que o sol se faça charmoso e inspirador. A mistura parece conter algo da bandeira do Brasil, mas também qualquer cosia que não temos aí.





No entanto, contudo, todavia, a parte mais fantástica da Toscana são mais as estradas, as paisagens, do que propriamente as cidades. A cada curva se vê um vilarejo minúsculo no topo de uma colina, uma fazenda dos sonhos com uma vinícola. Muitas papoulas na beira da estrada, tingindo de vermelho os canteiros. Muito trigo e mostarda, tonalizando os pastos.

San Gimigniano é mágica com suas torres que ostentavam o poder dos burgueses locais e vista incrível. Dizem que o melhor sorvete é de lá, assim como dizem em todo lugar aqui na Itália. O artesanato de balaustro é encantador. A pedra é completamente transparente e serve de matéria-prima para lustres, caixinhas e ouros objetos decorativos. Deu vontade de comprar uma, mas mochileiro não compra, fotografa.


Foram incontáveis pique-niques nas beiras das estradinhas, sob a sombra de alguma oliveira e na companhia de formigas civilizadas. Nenhum furto ou invasão registrado. A nossa sacola de comida era recarregada a cada 3 ou 4 dias, sempre com algum queijinho ou presunto cru para substituir os devorados ou derretidos pelo sol dentro da sauna/carro. E tome queijo bom, e desce vinho bom e barato. Uma coisa de louco. O investimento compensa sempre. Os queijos são de cair o queixo (perdoem o trocadalho) e os vinhos quase sempre se superam, honrando os 4 ou 5 euros da etiqueta. Ah, não sei porque demorei 24 anos pra perceber que um tacinha de tinto antes de deitar é o passaporte ao sono dos deuses.


O som do carro foi meio traíra na Toscana. Não tem outra definição. As rádios que pegavam não agradavam minha mãe e as de música clássica que agradavam não duravam muito tempo na sintonia. Nenhum CD a bordo e iTrip a milhas de distância, em casa, Brasil. Silêncios quilométricos e papos idem.


O povo é manso, meio caipira, pacífico. Todos dançam com completa desenvoltura no ritmo do turismo e arranham um inglês macarrônico à putanesca. Um nórdico ou tupiniquim não fica no perrengue na maior parte das vezes, a menos que seja um surdo-mudo. É acolhedor, um lugar que piacce.

Não é raro ver casamentos nas prefeituras das cidadelas locais e a maioria não era de italianos. Não sei como, mas pelo jeito vem gente do mundo todo casar aqui. Vi uns nórdicos, ingleses e até japoneses trocando algemas, digo, alianças. Numa dessas cenas, na belíssima Volterra, um professor italiano brincalhão, que liderava um grupo de alunos da quarta série, levou toda a turma para tirar foto com os noivos no meio da praça central. O lugar tem um astral, um bom humor mais constante, diferente do norte, mais carrancudo.


No fim, o que ficou para mim foi uma região de mistério, que abriga aquela sonhada aposentadoria perfeita. Uma vila, um belo jardim, uma rede, uma horta, um bom vinho. E claro, a família sempre perto, com um monte de filhos e netos. Tudo embalado sob um sol cinematográfico e especialmente vívido. Quantas almas inquietas, assim como a minha ainda não pousarão por lá à procura de uma resposta, de um caminho, de tranqüilidade?
Ou simplesmente à procura do sol da Toscana.

2 comentários:

Mari disse...

E ai Fê? Já tinha visto teu blog. Achava q vc estava de rolê pelo mundo, tá morando na Itália? Eu to morando em Barça!!! beijos

Unknown disse...

Querido Fe, To ficando viciada nestas delícias de textos! grazie infinite! baci, bilu